O Burro e o Leão

Осел і лев – escrita por Ivan Frankó, bem-humorada fábula de um burro – que nada tinha de burro

 

Autor: Ivan Frankó

Tradução: Ludmila Szymanskyj

 

Nascido em 1856, o ucraniano Ivan Yakovych Frankó [Іван Якович Франко] foi poeta, escritor, crítico literário, jornalista, intérprete, economista, ativista político, filósofo, etnógrafo e autor das primeiras novelas detetivescas e poesia moderna em idioma ucraniano. Ao lado de Taras Shevchenko, ele foi figura significativa na literatura moderna e no pensamento político ucranianos. Morreu em 1916.

 

Imagens publicadas em:

Ivan Franko. The Donkey and the Lion.
ISBN 5-301-01022-0; 1990.
Ilustrações de Valentin Litvinenko.

In: http://book-graphics.blogspot.com.br/2013/08/the-donkey-and-lion.html

 

 

Um burro trabalhou por muito tempo para um dono, mas cansou do árduo trabalho e de incontáveis chicotadas.

Então ele pensou:

— Vou fugir para a floresta, terei liberdade; vou pastar no bosque e ninguém irá me dizer o que tenho que fazer.

 

 

 

Sem pensar muito, largou o dono e fugiu para o bosque. A vida dele mudou muito. Pastava onde queria; não era obrigado a transportar cargas pesadas e também se livrou das chicotadas. Nunca conhecera uma vida tão maravilhosa. Até que um dia viu um Leão, com uma cara medonha, que estava vindo em sua direção.

— Agora chegou o meu fim – pensou o Burro.

Mas até o Leão chegar perto dele, ele se acalmou, e refletiu.

— Se eu enganar o Leão, talvez saia dessa com vida.

Assim, como estava em pé, desabou na grama e ficou esticado no chão. O Leão veio se aproximando e começou a gritar:

— Ei, você! Que direito tem de ficar deitado? Por que não se levanta para me saudar?

O Burro fez de conta que não tinha ouvido. Continuou deitado e só agitava as longas orelhas. O Leão chegou mais perto e berrou de novo:

— Levante-se imediatamente e se curve diante de mim!

— Quem é você? — perguntou o Burro.

 

 

— Você está perguntando quem sou eu? — gritou ameaçadoramente. — Será que você não sabe que sou o rei dos animais.

 

O Burro, sem se levantar, ergueu a cabeça, esbulhou os olhos e disse:

— Que bobagem você está dizendo? Você é o rei de todos os animais? Quem te disse isso? Por acaso você tem documentos? Quem te escolheu para ser rei?

O Leão ficou atordoado, parecia que alguém havia jogado um balde de água gelada nele:

— Quem me disse? Todos dizem que sou o rei dos animais! Será que isto é mentira?

— Claro que é mentira! Não pode ser verdade, porque o rei dos animais sou eu!

— Você?? — admirou-se o Leão. — Você tem prova disto?

— É claro que eu tenho! Olhe aqui!

O Burro levantou-se e ficou em pé. Levantou a pata traseira, onde estava pregada a novíssima ferradura.

— Está vendo? Este é meu carimbo real. Se você fosse o rei, então teria esse selo.

 

 

 

— Eu nunca pensei nisso — falou o Leão. — Talvez seja verdade que você é rei. Mas… espere um pouco. Vamos fazer uma aposta. Iremos para dentro da floresta. Quem, dentro de uma hora, caçar mais animais, então aquele será o verdadeiro rei.

— Está bem, que assim seja — falou o Burro.

O Leão correu para o bosque. Correndo pela floresta caçou um veadinho, uma lebre e outros animais. Em uma hora já havia caçado uns cinco ou seis animais. Juntou todos e os arrastou até o lugar de encontro.

O Burro foi até uma ampla e ensolarada clareira e tombou no meio do prado. Com os olhos fechados e a língua para fora, parecia que estava morto.

Sobre aquela clareira voavam muitos pássaros. Falcões, corvos, gralhas, pegas e outras aves.

 

 

 

Quando viram que o Burro estava morto, começaram a pular em cima dele, bicar sua língua e seus olhos. O Burro ficou imóvel, porém quando algum pássaro se aproximava para bem perto, ele dava coices ou pegava com os dentes. Fazia isso com tanta astúcia que nenhum pássaro percebeu a façanha. Não havia passado ainda uma hora e o Burro já tinha perto dele cerca de trinta pássaros. Então levantou-se bruscamente e agitou o corpo. Pássaros assustados voaram para todos os lados do prado. O Burro recolheu as aves e foi se encontrar com o Leão.

Chegando ao local, o Leão já se encontrava lá,

— E aí, muita caça? — perguntou o Leão. E mostrou suas presas.

— Mas como você é tolo — falou o Burro, e chutou os animais. — Destes animais eu poderia pegar uns sessenta. Porém eles não valem nada. Olhe os meus. Eu só peguei aqueles que voam. Tente você fazer isso!

— Oh, não! Esta façanha eu não consigo — respondeu o Leão. — Agora eu vejo que você é o verdadeiro rei dos animais. Perdoa-me se fui rude com você.

— Agora você já sabe. É preciso sempre ser delicado com os outros porque um dia é possível se deparar com uma pessoa de posição mais elevada do que a sua. Eu poderia castigar você com a morte, mas vou lhe perdoar pois você fez isto sem maldade. Agora vá e tome mais cuidado para que isso não se repita.

O Leão abaixou a cabeça, pôs o rabo no meio das pernas e foi embora.

 

 

 

Não muito longe dali, ele encontrou, no bosque, um Lobo.

— Minhas saudações, venerabilíssimo rei — falou o Lobo e se curvou até o chão.

— Não zombe de mim — respondeu o Leão, tristemente. — Eu não sou rei.

— Como não? — gritou o Lobo.

— Fale baixo — sussurrou o Leão. — O verdadeiro rei não está longe e se ele ouve, seremos castigados.

— Verdadeiro rei? — falou atônito o Lobo. — O único rei que eu conheço é você!

— Há um rei, sim — murmurou assustado o Leão. — Eu o vi com meus próprios olhos. Ele é medonho! E que força que ele tem? Até as aves, que voam, ele pega, caça. Graças a Deus que escapei vivo!

 

 

 

— O que você está dizendo? Eu conheço essa floresta toda e não é de hoje. Mas não consigo imaginar quem poderia ser o rei. Que aparência esse rei tem?

— Assustadora — falou o Leão amedrontado. — Orelhas enormes, a cabeça parece um balde e, na pata traseira, tem um carimbo real.

— Não consigo adivinhar. Isso não pode ser verdade. Vamos, mostre-me este rei. Eu quero conhecê-lo!

— Eu? Nunca na minha vida quero vê-lo!

— Vamos, por que ter medo? Eu tenho uma ideia. Amarre seu rabo no meu. Assim teremos coragem para ir.

— Por mim está bem — disse o Leão.

Amarraram os rabos e subiram uma colina. Então o Leão viu o Burro pastando numa clareira. O Leão, bruscamente, sussurrou para o Lobo:

— Olhe, ele está Lá!

O Lobo se virou, olhou para a clareira e deu um grito:

— Leão, você é bobo! Este é o Burrinho! (*)

O Leão entendeu que o novo rei estava pertinho (*) Começou a correr com toda a força e velocidade que tinha. Correu por cima de tocos e galhos, pela ravinas. Correu, correu até perder o fôlego. Então parou, olhou em volta e perguntou ao Lobo:

 

 

 

— E aí, Lobo, o novo rei ainda está perto?

Porém o Lobo estava imóvel; jazia na grama com a língua para fora. Como estava com o rabo amarrado ao do Leão, foi arrastado por todo o caminho e já fazia algum tempo que tinha entregado sua alma.

— Ora veja — completou o Leão. — Você disse que o novo rei não era tão terrível. Mas quando o viu de perto morreu de susto!

 

 

 

(*) Em ucraniano, as palavras burrinho e pertinho, assim como em português, têm semelhanças fonéticas: oslysko [oслисько] (burrinho) e blysko [близько] (pertinho).

 

Quer saber mais? Veja o texto original em ucraniano (in: http://kazky.org.ua/zbirky/franko-zviri/osel-i-lev) aqui:

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *